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O FIM É FERTIL

 

O termo Antropoceno designa o período durante o qual a atividade humana teve um impacto significativo nos ecossistemas e processos geomorfológicos da Terra. Tomando partido desse estado contínuo de transformação, a que experiência humana está implicada é urgente agir e propor outras estratégias de sobrevida e a arte também se faz necessária para nutrir futuros possíveis, como propõe a exposição “Zonas de Sombra”. Os trabalhos de Licida Vidal, Gustavo Prata e Juliana Brandão guardam semelhanças discursivas, mas se propagam de forma distinta criando assim, novos paradigmas ao presente. 

Paisagem, enquanto definição, também pode ser considerada fruto da invenção humana, e Licida Vidal subverte essa ordem com a obra Terral (2020/2021). Os tecidos, retorcidos e suspensos são preenchidos por um composto de terra, sementes nativas da América do Sul e água. Cada bolsa guarda a possibilidade de germinação e para Vidal, o ato de cultivar expande a vida e o sentido da mutualidade, seja entre o tempo e a matéria orgânica, ou entre quem cultiva e o imponderável.

O artista Gustavo Prata manipula resíduos industriais do seu próprio consumo, para construir obras monumentais que confrontam o olhar para o cotidiano. Prata é um típico residente de uma metrópole, se interessa em observar a rotina e os hábitos mais triviais e disso extrai a matéria-prima para travar relações entre o que é consumo e quem é consumido. Com composições que escapam de uma formatação pacífica, como na obra Amálgama (2022), que como um sumidouro, forma organismo-verbal que hipnotiza o espectador, ou quando trata de cor e forma na obra 8040 (2021), que verticaliza uma coleção de maços de cigarro, Prata confere ao cotidiano o status mais elevado. Na obra Ontem (2022) o artista cria um mapa que alude ao traçado da antiga Estrada Real, via terrestre usada pela Coroa Portuguesa desde o século XVIII para o escoamento de ouro e pedras preciosas entre Paraty (RJ) e Ouro Preto (MG).

Os azulejos que habitualmente compõem o acabamento interno e privado de uma casa passam de revestimento a totens nas obras Torre do silêncio n.1 (2023) e Torre do silêncio n.2 (2023) de Juliana Brandão. Brandão inventa pseudo armadilhas, essas esculturas sonoras ativadas pela presença do público. De um bufar de uma baleia, ao canto de um pássaro, as esculturas provocam contrastes entre o que há dentro e no entorno do espaço expositivo, como também instiga a curiosidade entre o que é natural e o que é artificial.

Ainda não há consenso entre cientistas e teóricos das ciências naturais sobre o início dessa nova era. Fala-se que o início do Antropoceno se deu com a Revolução Industrial, contudo, é impossível ignorar os processos coloniais e as viagens ultramarinas do século XV, como antecedentes da constituição deste cenário geopolítico. Ainda assim, “Zonas de Sombra” não impõe uma sentença, um juízo final, estéril de existências e coletividades, posto que acena para capacidade humana, de conceber um devir sustentável, pois, neste caso e nesta exposição, o fim é fértil.

 

Horrana de Kássia Santos

Maio 2023

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